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Por sobinfluencia


introdução de LeRoi Jones (Amiri Baraka) para Black Music

John Coltrane, Shadow Wilson, Thelonious Monk e Ahmed Abdulmalik, no Five Spot, 1957

Apresentamos o texto introdutório, escrito por Amiri Baraka para a apresentação de Black Music, em 2009. Esse texto é parte do livro e da coleção Black Music, que está em fase de pré-venda (com 20% de desconto!), exclusivamente em nosso site.

Para compor a campanha, lançamos, para além do livro, traduzido pela primeira vez para o português por André Capilé e com texto de apresentação de Nathalia Grilo, alguns produtos especiais (disponíveis durante a pré-venda):

Pôster “Our world is full of sound” no tamanho A3 (29,7x42cm) e impresso em risografia;

Camiseta “Black Music”/sobinfluencia em diversos tamanhos diferentes (P, M, G, GG, EXG);

No decorrer do livro Black Music, Baraka cita a seleção chamada “Uma breve discografia da Nova Música”, que nos introduz ao free jazz (ou new music) dos anos 60 e 70. A sobinfluencia organizou uma playlist especial, formada por músicas que compõem esses discos com nomes como Don Cherry, Ornette Coleman, Charles Mingus, Thelonious Monk, Alice Coltrane, Sun Ra e outros.

Para acessar e ouvir enquanto lê a íntegra da introdução de Amiri Baraka, clique aqui.

Pré-vendas são importantíssimas pois ajudam nós, editoras independentes, a arcar com alguns custos editoriais e gráficos da obra.

Introdução

Esta coletânea de ensaios, originalmente publicados em 1967, veio à luz durante um crescente período de transição, agudo & testemunhal. Como ocorre com quaisquer mudanças, algumas eram esperadas, outras foram além de minhas expectativas, inclusive, ou até mesmo do meu reconhecimento. Até passar de mudanças quantitativas, com o peso da miríade de exemplos diante de um novo paradigma emergente, pra uma mudança qualitativa, i.e., o amplo reconhecimento de que, de fato, o novo havia chegado. Especialmente porque aquilo que eu nomeava de “Vanguarda” do jazz estava sendo chamado por muitos de The New Thing!

Meu ensaio de 1961, “A Vanguarda do Jazz”, tentou identificar quem eu pensava compor tal grupo e por quais motivos acreditava que tal nomenclatura me parecia correta. Porém, na verdade, este ensaio serviu pra dividir o livro (não cronologicamente, porque o escrevi antes de todas as peças aqui reunidas), sendo: uma parte tratando dos músicos mais conhecidos, porém ainda muito dinâmicos; e a parte seguinte sobre aqueles a quem eu identificava com o termo new thing. Acho que foi Martin Williams o primeiro a chamar dessa maneira aquele som, enquanto estávamos no Five Spot curtindo a primeira aparição de Ornette Coleman.

Eu vinha escrevendo notas pra encartes de discos e artigos pras revistas Down Beat, Metronome, Jazz Review (a mais nova, a mais progressista, a de vida mais curta), bem como pra outras revistas de vanguarda, como a Wild Dog, de Ed Dorn, e Kulchur, da qual fui editor musical. Por um tempinho, tive uma coluna regular na Down Beat, chamada “Apple Cores” [Miolo da Maçã]. Em grande parte desse período, eu fui o principal divulgador, dentre nomes já conhecidos, de quem eu acreditava serem as figuras mais empolgantes: Sonny Rollins, Miles Davis, Roy Haynes, Billie Holiday, mas, particularmente, a música arrebatadora de Thelonious Monk e John Coltrane. A certa altura, eu morava quase que dentro do Five Spot, especificamente em cima, então pude conferir, noite após noite, a reunião historicamente espetacular de Coltrane & Monk, pós-Miles Davis. “Vem daqui a nova onda, escrevi então, “estas são as nascentes que fazem jorrar o novo, como Mao disse sobre a Revolução, posso vê-la como uma vela não tão distante no horizonte”.

A segunda parte de Black Music começa traçando o perfil dos “Jovens Turcos”, os vanguardistas que, na minha opinião, já tinham começado a operar mudanças na música. O interessante é que, nesse período, o turbilhão da revolução real se espalhou por todo o planeta. Após o sucesso do boicote aos ônibus de Montgomery, no final de 1956; Fidel Castro marchando pra Havana no réveillon de 1959; Malcolm X aparecendo na televisão em 1960 — eu mesmo fui pra Cuba nesse ano; o movimento estudantil iniciado em Greensboro, Carolina do Norte, e por aí vai; portanto é óbvio que esse espírito mundial afetou os músicos, sua música e seu público.

Queríamos mudança. Éramos inspirados pela realidade das pessoas que lutavam por progresso real em todo o mundo. E a luta se aguçou aqui nos Estados Unidos, contra o racismo e a opressão nacional, depois que Malcolm X foi assassinado. Uma das razões pelas quais, de repente, parei de escrever pras publicações de jazz mainstream foi que, em 1969, a Down Beat fez a pergunta: “LeRoi Jones é racista?”, fazendo referência, quero supor que exageradas, sobre a opinião, sem rodeios, acerca de um nacionalismo francamente preto que revestia minhas palavras depois de Malcolm!

Uma das últimas peças desta coletânea, “Nova Black Music”, originalmente fazia parte das notas que havia escrito pro programa de um concerto beneficente que organizei, o “Black Arts Repertory Theatre/School”, e estreei cerca de um mês depois do assassinato de Malcolm, em 1965, quando literalmente fugi do Greenwich Village pro Harlem. Assim, o álbum The New Wave in Jazz, gravado pela Impulse (Bob Thiele), marcou o fim de uma época e o início de outra. (Logo após a morte de Thiele, a Impulse adicionou músicas que não havia lançado neste primeiro encontro, removeu minhas notas do encarte, e atrapalhou o álbum pra que a gravadora não tivesse que me pagar os royalties de produtor.)

Contudo a música e os músicos que escutei durante esse período foram, pra mim, os portadores da nova era. Os sopros da revolução de agora e da que ainda estava por vir. O título que o livro carrega, testemunha o nacionalismo que, neste momento, me guiava à compreensão do que precisava ser feito. Que o povo afro-estadunidense deveria reivindicar esta música, valorizar as canções como hinos históricos de nossas vidas e lutas, como nosso legado e tesouro.

A revolução específica que esses músicos estavam fazendo se dirigia contra a prisão da mediocridade comercial americana da Tin Pan Alley. Abaixo a canção popular! Abaixo as mudanças regulares de acordes! Abaixo a escala temperada! A ênfase afro-asiática, modal e microtonal, por toda parte. Irão tocar com liberdade! Liberdade? Pode apostar, esta tem sido nossa filosofia, nossa ideologia, nossa estética, desde que a escravidão começou. E, a partir desse ponto em nossa história, voltamos a gritar. Free Jazz! Freedom Suite! Freedom Now!

Black Music identifica os jovens guerreiros do nosso exército da música livre. As Nascentes: Monk, Trane. A apresentação de Wayne Shorter foi a que veio antes, porque crescemos juntos em Newark. Mas Ornette Coleman, Cecil Taylor, Dennis Charles, Archie Shepp, Albert Ayler, Sonny Murray, Bobby Bradford, Don Cherry, Pharoah Sanders, Eric Dolphy, Oliver Nelson, Ed Blackwell, Scott LaFaro, Charlie Haden, Wilbur Ware, Billy Higgins, Buell Neidlinger, Freddie Hubbard, Grachan Moncur III e Earl Griffith eram a Vanguarda; havia outros que, na época, não nomeei, alguns já falecidos. No entanto, enquanto escrevo esta introdução de Black Music, em 2009, Ornette, Cecil, Archie, Pharoah, Wayne, Charlie Haden, Sonny Murray e Bobby Bradford ainda estão em cena, ainda seguem fazendo essa parada.

Apesar da matriz cultural reacionária que ocultou grande parte dessa música, ao longo dos anos compreendidos de Reagan a Bush, e produziu o atraso artístico-cultural do fusion e de um Kenny Elevador, também um Rock superficial e de um Rap ainda mais vazio, que se tornaram dominantes – e que muitas vezes fez, mesmo em Nova Iorque, passaram-se semanas inteiras sem que conhecêssemos nem nada, nem ninguém, de novo; tudo era muito pouco afro-estadunidense — há alguns sinais, neste momento, de que pode haver uma nova onda a caminho.

Amiri Baraka
28/08/2009