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Por sobinfluencia


prazer de verão, natan schäfer

Vocês querem um panorama de minhas maquinações?
(...) O nascer do sol logo iluminou aquele Waterloo.
Alphonse Allais, Prazer de verão

Embora por vezes a tentação tenha sido grande, jamais utilizei est’A Fresta para veicular um texto meu que não fosse destinado a ser coadjuvante. Aqui o objetivo manifesto sempre foi, antes de mais nada, erguer pontes e oferecer ao público lusófono aquilo que se pretende deixar para trás e que, no entanto, abre seu leque de cores justamente ao atravessar os caminhos mais labirínticos e estreitos, ganhando ainda mais força no encontro. Porém, hoje é uma ocasião especial que demanda este tipo de declaração isolada e que, portanto, impõe um certo protagonismo.

Pois hoje est’A Fresta aberta no blog da editora sobinfluencia se rasga para abrir-se novamente em outro portal.

Ao longo destes dois anos e meio, tive o grande prazer de selecionar, apresentar e, na maioria das vezes, traduzir os textos publicados nest’A Fresta. Isso ocasionou a constituição de um verdadeiro laboratório, cuja atividade levou a voos cada vez mais altos e sempre imbuídos de todo entusiasmo e animação dos quais pude dispor. Foi assim que foram publicados cerca de 65 textos online, 3 episódios de podcast e mais 10 números d’A Fresta impressa, sendo que cada número desta última contou com aproximadamente 150 exemplares numerados e assinados, o que totaliza mais de 1500 cópias enviadas sem custo algum para seus assinantes aos mais diversos recantos do Brasil e do mundo.

Porém, como ocorre na vida, a partir de um certo momento algumas das trocas que permitiam a manutenção d’A Fresta assumiram uma configuração que exige o recomeço e faz germinar uma vontade cada vez maior e mais intensa de mudança.

E não é por desaprovar uma certa prática e alarde da lamentação que não me sentiria à vontade para manifestar, neste momento, certo sentimento de fracasso surgido em diversos momentos desta trajetória. Pois não se trata de lamentação, mas de exprimir a sensação de que ao longo destes dois anos e meio as publicações d’A Fresta não obtiveram retorno e tampouco recepção. Salvo algumas poucas e gentis notícias de amigos e leitores com os quais tive a felicidade de estabelecer contato, a impressão é de que efetivamente o esforço despendido foi em vão e que o fruto do trabalho encontrou um vasto vazio.

Partindo disso, parece que afinal de contas não teria havido uma profunda necessidade social capaz de justificar a difusão e que, portanto, tudo não teria passado de uma farsa na qual uns fazem de conta que publicam, outros fazem de conta que leem, mas na qual em suma nada se transforma, nenhuma vida muda, nenhum lugar se cria e tampouco surgem novos vínculos, entusiasmos, encontros e maravilhamentos. De modo que, infelizmente, o reconhecimento ainda pareceria seguir reservado mais ao inimigo do que àqueles cujas mãos seguem abanando.

Porém, não é com um gosto amargo, sabor que de fato costuma ser apreciado com a chegada da maturidade, que me despeço d’A Fresta no blog da sobinfluencia. Isso porque, sim, houve pelo menos uma vida que mudou profundamente a partir da abertura dest’A Fresta: a minha própria, e quem sabe de alguns dentre aqueles que mais estimo e amo. Aliás, caso fosse necessária alguma justificativa para seguir o ditado do desejo, sem dúvida esta é a que me ressoa mais forte em meu corpo-alma. E além do mais, sabemos que o surrealismo é o que será e que, como afirma André Breton em A lâmpada no relógio (1948):

Do seio da terrível miséria física e moral deste tempo, espera-se sem desesperar ainda que energias rebeldes a toda domesticação retomem pela base a tarefa da emancipação humana [1].

Portanto, é de peito aberto que me lanço na aventura que se delineia com a mudança d’A Fresta rumo ao portal da editora Aboio a partir da semana que vem, onde seguirei trabalhando sob os auspícios do editor Leopoldo Cavalcante — cuja sensibilidade e competência estão à altura de sua simpatia e sutileza — para novamente abrir passagem ao movimento da mais-realidade e seus arredores, seguindo em direção ao inalcançável com compromisso, rigor, humor e entusiasmo, orientando-me pela lei e linha do coração e pelo princípio de prazer pois, como afirma Jean-Louis Bédouin em suas Notas sobre André Breton (1950):

Uma moral baseada na exaltação do prazer cedo ou tarde varrerá a ignóbil moral do sofrimento ou da resignação, mantida pelos imperialismos sociais e pelas igrejas [2].

Até segunda ordem, os textos publicados no período 2020 – 2022 continuarão disponíveis no site da editora Sobinfluência, a cuja equipe deixo expresso meu agradecimento pela colaboração e, sobretudo, por sua contribuição para o lançamento desta aventura e seu percurso. Além disso, não posso deixar de manifestar o desejo, que partilho com distintos leitores, de que um dia estes textos possam encontrar seu lugar nos papéis de um livro. Como diria Sergio Lima, citando Groucho Marx, why not?

Pois os textos de partida aqui reunidos constituem um grande tesouro. E foi n’A Fresta que a maioria deles apareceu pela primeira vez na história em português, o que os torna parte de acontecimentos que, creio eu, têm o potencial de um dia proporcionar grandes encontros. E ainda cumpre observar que a fortuna oculta nestes textos não é o baú, mas, sim, as luzes e sombras do tesouro que é mapa e parte de uma constelação ainda maior. Alcançará aquele que se propor a trilhar um caminho, como o fizeram os autores aqui reunidos, que escolheram a vida e a grande aventura, com triunfos e reveses, e correndo os riscos que isso exige.

Aos que quiserem continuar acompanhando A Fresta e seguir com a navegação em mares e rios sempre renovados por ondas e alvos, os convido para, daqui em diante, rumar ao portal da editora Aboio e seguir em frente.

AVANTE!

Natan Schäfer
17 de janeiro de 2023