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Por sobinfluencia


prefácio de a an-arquia que vem, por roberto esposito

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Existem dois modos de escrever um dicionário de política. O primeiro é aquele que fixa, legitimando-os de maneira canônica, significados já definidos. Nesse caso, o dicionário exerce a função de clausura do discurso, e também o de censura ideológica em relação a tudo que o excede. Tem o papel de guardião de fronteiras já assinaladas que não devem ser transgredidas, mas, ao contrário, tornadas definitivas, consagradas em termos teológico-políticos como limites invioláveis que não podem ser profanados. Todavia, ao menos potencialmente, existe um outro tipo de dicionário, raramente presente na lexicografia moderna e contemporânea, dado que está em íntima contradição com a própria ideia de “dicionário”. Como o elenco de termos de Borges, acumulados aparentemente sem nenhum princípio ordenador por Foucault no começo de As palavras e as coisas, esse segundo tipo de dicionário tem como primeira tarefa a de contestar a si próprio, colocar em dúvida a forma mesma do dicionário em sua acepção tradicional. Ao invés de lidar com o fechamento e a definição, ele joga com a abertura e a desconstrução dos termos da política. Diferentemente de guardar fronteiras pré-fixadas, ele se esforça para ultrapassá-las, contestá-las e desestabilizá-las, seja criando novos termos, seja modificando os já existentes.

A essa segunda modalidade de dicionário pertence este que Andityas Soares de Moura Costa Matos projetou de modo rigoroso e original. Ele próprio o define como “radical”. Mas em que sentido se deve entender essa expressão? Ela deve ser tomada ao pé da letra. Radical é um pensamento que vai à raiz das coisas e das palavras. Não para individuar seus fundamentos, e sim para desativá-los, colocando-os à prova diante de uma ausência, ou de uma falta, que não pode ser colmatada de forma definitiva porque o seu fundo é literalmente infundado. Nesse sentido, este dicionário se remete a uma ontologia pós-fundacional que se inscreve nos extremos limites da reflexão do nosso tempo. Mas o termo “radical” tem também outro significado no trabalho de Andityas Soares de Moura Costa Matos. Não só a contestação da ordem do discurso tradicional, mas também a inédita articulação entre termos aparentemente heterogêneos. Por isso a sua escolha de proceder mediante duplas de conceitos, postos ao mesmo tempo em conexão e tensão recíprocas.

Morte e linguagem, comunidade e comando, anarquia e pandemia, utopia e distopia, povo e democracia, estado de exceção e desobediência civil, teologia e política são os termos – igualmente no sentido de palavras últimas – que este dicionário coloca em campo, alargando-lhes o significado em direções inéditas. Mas não se trata aqui só desses termos, dado que nos seus entrecruzamentos emergem outros conceitos, categorias e paradigmas que adquirem relevo particular. Tal se dá a partir do paradigma da “biopolítica”, repensado para além do seu significado adquirido e aberto a um sentido parcialmente novo. Algo análogo acontece com o conceito de “comunidade”, este também reelaborado e levado para lá dos confins do debate que o viu nascer no final do século passado. Os termos “biopolítica” e “comunidade”, surgidos em dois horizontes conceituais diversos, se entrelaçam em uma modalidade que põe em jogo também a ideia de “impolítico”, entendido não como negação da política, mas como seu radical reverso. Democracia, utopia e desobediência civil são as outras vozes desse original experimento lexical, que promete abrir uma nova reflexão sobre a política que esteja distante da semântica exaurida e seja voltada para um novo modo de entender a sua relação com a filosofia.

13 de Abril de 2022
Roberto Esposito